quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Relato sobre a moça que dançou

Era por volta de cinco e meia da tarde. O sol não queria se por. Fazia um calorão, daqueles que a gente soa tanto, que desidrata até a língua.
Ela vinha pela rua do Centro, reclamando consigo mesma, de vez em quando gesticulava, garrafinha d'água na mão, papelzinho pra abanar na outra. A raiz do cabelo começava a encrespar, devido ao suor, e o perfume já não era o mesmo.
Ela xingou baixinho.
O farol abriu para os pedestres, mas o infeliz de um motorista ultrapassou o semáforo, vermelho mesmo e, ainda deu uma buzinada infame.
Ela xingou baixinho de novo.
Ganhou uma cotovelada na costela, um pisão no pé, uma empurrada pra fora de seu lugar, e uma cusparada do camaradinha que perguntou as horas.
Mas que dia "do caramba"!
Ela decidiu que dava pra dar uma corridinha até o outro lado da avenida.
Correu.
E bem ali, onde alguém jamais pisaria, havia uma poça d'água da chuva do dia anterior.
Seu pé mirou o centro, e mergulhou!
E ela quis xingar...E acertar a primeira pessoa que atravessasse seu caminho.
"Aaah...."
Não tinha mais energia...
Estava na hora de mudar a tática.
Imaginou que aquilo era um filme, e nos filmes toda tragédia pode virar poesia.
Então, em algum lugar longínquo, mágico e acolhedor, neste momento ela estava dançando...
Um passo de cada vez, as mãos acompanhando o ritmo em movimentos graciosos...
A música envolvia cordas...Solos harmoniosos e singelos.
E ela girava, girava...Contornava as árvores...E girava...Rodava ao redor do mundo.
Dançava por cima do lago, juntamente com os cisnes...
Sua coreografia era ideal...Combinava com a paz ao redor...Sua elegância fundia-se à beleza das flores...
A moça rodopiava, rodopiava, seus movimentos se avolumavam...
E ela rodopiou, em torno de si mesma...
E o universo todo apresentou-se mais belo e colorido...
Até que,
A música ao fundo mudou...
Já não soava tão melódica...
Sons estridentes ocuparam seu lugar:
"Biiiiii-bi! Biiiiiiii-bii!"
"Mooooooça, ô moça! Tá precisando de socorro médico?"
"Puxa vida, coitada...Teve um surto nervoso...!"
"Senhora? Senhora?"
"Chamem o SAMU!"

Ela abriu os olhos vagarosamente e se deparou com o caos que a cercava. Imagine quão surpresa ficou, ao perceber que o tal do caos era consequência de sua dança imaginária e desesperada.
Não existiam árvores ao redor, não havia orquestra...
Notou também que não havia lago algum...Seus pés ainda estavam mergulhados na poça.
Olhou com pesar para o motorista do caminhão...
Olhou para os pedestres do outro lado da avenida...
Olhou para suas próprias mãos, que ainda floreavam ao vento...
Caiu em si.
E conforme retirava-se do meio dos destroços de sua vergonha, soluçando baixinho...Lembrou de um fator intrigante.
Ela não sabia dançar.
E chorou. Inconsolavelmente.
Seu delírio de paz, não tinha a mínima chance de se concretizar. Pelo menos não agora...(Pra não dizer nunca).
Secou as lágrimas.
E decidiu que não importava. Aquele seria seu refúgio.
(Contudo precisaria aprender a gerenciá-lo.)
Iria visitá-lo mais vezes... Aparecer como quem não quer nada...
Mas talvez, ao atravessar a rua, não fosse o momento ideal.
Talvez.
Créditos da imagem: http://www.facebook.com/GardenalSemFronteiras?fref=ts

Thatá

Que também queria saber dançar.





Um comentário:

Você pode comentar, se quiser =)